sábado, 24 de março de 2012

Capítulo 7: Do fim do terceiro dia e da solicitação de auxílio a Jah Biroba

Já fazia cinco horas que o trio formado por Sinsalabim (arrastando com uma corda Borgan III), Mur Ronusrim e Difarola Ceso havia saído do castelo. Além disso, Jah Biroba acompanhava a trupe, temendo os humores de sua companheira, Pau Ladinha. O confronto com Eutoku Utérror teria que esperar: ele havia saído em uma fuga desesperada, ao perceber que seus mercenários haviam sido completamente derrotados. Estava anoitecendo e o grupo achou mais prudente montar acampamento.

Após o choque inicial, a euforia em torno de Bri’o’Cu havia acalmado um pouco. Mas não muito, afinal havia uma cabeça humanoide-felina no traseiro de Sinsalabim. Ainda mais, a irritação pelo fato do rakshasa não calar a boca começava a ser maior que o desconforto de sua localização. Mas foi justamente pelo fato de Bri’o’Cu falar sem parar que os aventureiros logo ficaram a par da maldição do Anel do Endo e dos três dias para o seu exílio terminar. Aliás, o tempo se escoava rapidamente: faltavam apenas algumas horas para cessar o efeito do Anel sobre Bri’o’Cu.

- Devemos retornar a caçada à Eutoku assim que nascer o dia. Ele deve querer escapar da ilha assim que puder. – comentou Mur, fincando um espeto de manjobitchas perto do fogo. – Sinsalabim, espero que essa coisa aí não demore muit...

- Não te preocupes, meu bigodudo amigo – interrompeu Bri’o’Cu – a minha liberdade virá rapidamente! Aliás, vocês já podem se despedir do gurizão aqui... Tchau Sinsalabim... foi um prazer! Hahaha... nós realmente tivemos bons momentos, não?

- Sim, foram ótim... Cuméquié?!?!?!?! – espantou-se Sinsalabim.

- Putz, deixa de ser trouxa Sinsalabim... – redarguiu o raksasha. - Você realmente achou que eu ia sair tranquilamente desse lugar aqui, meio... constrangedor... e você ficaria ileso, na boa? O que provavelmente vai acontecer é que... bem... opa, Mur, tava pensando em liderar o seu grupo, pode ser?

- Vai se fo...

- Peraí! – interpelou Sinsalabim. – Não estou a fim de ser obliterado ou sei lá o quê! E se eu te empurrar de volta? É só dar uma boa sentada naquela pedra.

- O processo não tem volta depois de iniciado. Eu vou sair de qualquer jeito, não importa em que estado. Relaxa, Sinsalaba!!! – exclamou Bri’o’Cu.

Sinsalabim ficou congelado de horror. Seria esse o seu fim? Um otário falastrão iria sair pela sua porta dos fundos e tudo iria se acabar?

- Se pelo menos eu ainda tivesse o meu comunicador mágico... – lamentou-se Difarola, que o havia perdido no castelo.

- Pois é... eu também... – lastimou-se Mur, refletindo sobre o minúsculo artefato que insistia em não ser evacuado. – Se conseguíssemos achar nosso amigo, ele poderia ajudar.

A tristeza começou a se apoderar do grupo. Jah Biroba se encontrava um pouco afastado do fogo. Ninguém falava com ele e ele não falava com ninguém. Matutava sem parar sobre o seu próprio problema que se mostrava cada vez mais insolúvel.

Então, faltando duas horas para o fim do terceiro dia, todos ouviram uma risada sair do meio da floresta:

- Hiar hiar hiar... chefe você não vai acreditar no que eu fiz...

Todos se voltaram (menos Bri’o’Cu, por motivos óbvios) para a direção daquelas palavras e se depararam com um halfling muito idoso saindo do mato em direção à clareira, um sorriso estampado em seu rosto.

O sujeito não conseguiu prosseguir com seus dizeres, porque Mur Ronusrim, junto com Difarola Ceso, explodiu de alegria:

- Aí está você, seu velhote de uma figa! Hahahahaha! Finalmente, Cerel H’lepis! Já estava pensando que você tinha se explodido, se transformado em um suíno selvagem ou coisa parecida!

Alí estava o terceiro integrante do grupo: Cerel H’lepis. Quem o visse pela primeira vez, com seus cabelos brancos desgrenhados, sua roupa surrada e seu jeitão meio senil, talvez não acreditasse, mas o ancião halfling já fora outrora um poderoso e famoso feiticeiro, que teve músicas escritas sobre seus feitos. Agora, com seu passado de glórias misteriosamente para trás, ele integrava o grupo de Mur Ronusrim, cuja felicidade em revê-lo era justificada. A volta do companheiro por si só já era motivo de júbilo, mas havia ainda outra coisa: Cerel talvez tivesse os conhecimentos arcanos necessários para salvar Sinsalabim.

Mas o feiticeiro não deu muita atenção para as saudações. Ele estava orgulhoso demais do que havia feito:

- Hiar, Hiar... chefe, eu ateei fogo no barco de Eutóku! Apontei o dedo e BUM!!
Mur mal se continha com tantas boas novas:

- Maravilha! Imagino que cuidou de proteger nosso barco também, certo?

-Her...

- Cerel, nós atracamos nossa embarcação ao lado da caravela de Eutoku!

- Pois é... até pensei em lançar umas armadilhas protetoras, mas ia estragar a pintura...

O humor de Mur mudou rapidamente.

- Cacete! O que impede aquele cretino pegar nossa nau? Vamos ficar ilhados aqui!

- Pois é chefia...

- Gngngngng... Mur começou a salivar.

Sinsalabim estava na pior, sua dor piorara nos últimos minutos. Enquanto isso, em seu glúteo esquerdo, Bri’o’Cu se divertia. Jah Biroba não dava muita bola, pois verbalizava possíveis desculpas esfarrapadas para Pau Ladinha, como “Fui comprar charutos”, “Fui comprar cigarrilhas” e “Fui compra tabaco”.

Difarola intercedeu, acalmando o meio-elfo. O tempo de Sinsalabim estava acabando, e a guerreira rapidamente explicou para seu pequeno aliado o drama do nosso herói.
Felizmente, Cerel H’lepis demonstrou que conhecia um procedimento para alterar o alvo de uma evocação. Era uma mágica difícil, mas era a única saída de Sinsalabim. O grande aventureiro nem reagiu direito a essa oportunidade. O fim do terceiro dia se aproximava e ele se encontrava em estado de choque. O rakshasa não “curtiu” muito, pois temia possíveis efeitos colaterais da mágica.

Tudo foi feito às pressas. Colocaram Sinsalabim sobre um colcão de folhas. Ele estava na pior. A maldição profética que acometia o grandioso herói era extremamente antiga e poderosa. Dificilmente alguém conseguiria cuidar dela em tão pouco tempo. Mas Cerel H’lepis não se intimidou. Ele começou a proferir palavras em uma língua arcaica. Faltavam poucos minutos. Cerel parou de repente: “Não é esse o idioma correto... hiar, hiar...” disse baixinho para sim mesmo, constrangido. O halfling escolheu outra língua arcaica. Após alguns momentos ele parou novamente: “essa é muito bizarra”.

Faltavam 5 minutos. O traseiro de Sinsalabim brilhava intensamente. Cerel já estava no quinto dialeto arcaico. Bri’o’Cu tentava se divertir falando besteiras nas mesmas línguas que o feiticeiro proferia, confundindo-o, só para encher o saco. Mur não se aguentou: enfiou a sola de sua bota no beiço do rakshasa.

- ESCOLHE A PORCARIA DESSA LÍNGUA, PÔ! PEGA QUALQUER UMA! FALA QUALQUER SOM IDIOTA AÍ! SEI LÁ... WAKA WAKA TCHACA TCHACA TCHUM TCHANS!

- Essa é perfeita, chefia! – Cerel falou entusiasmado. Imediatamente começou a falar naquela língua há muito tempo esquecida. Fazia gestos estranhos. Tossia e escarrava regularmente (era de propósito ou não?). Finalmente, com uma mão, Cerel conjurou um poderoso raio de energia sobre Sinsalabim, e um segundo feixe de luz sobre um lago próximo.

Fim do terceiro dia.

Parecia que um torpedo havia explodido no lago. Em meio aos jatos de água que subiam, era possível ver um ser humanóide sendo ejetado bruscamente para fora do lago. Era Bri’o’Cu, que já estava há cerca de 15 metros do chão. Ele aterrissou suavemente em cima de uma pedra e ficou inconsciente.

Sinsalabim ainda se encontrava no bagaço, mas estava a salvo. Houve uma grande euforia, até Jah Biroba cumprimentou Cerel H’lepis. Bri’o’Cu foi amarrado e o grupo finalmente começou a discutir os seus próximos passos.

- Agora precisamos encontrar Eutoku Utérror o mais rápido possível! O problema é que vamos demorar muito nesse mato fechado – comentou Difarola.

- Sim, sim... demorei dois dias para chegar aqui... – lembrou Cerel.

- Precisamos de alguém que conheça perfeitamente a região! Mas onde vamos encontrar tal sujeito? ONDE? – gritou Mur.
Então os três quase que instantaneamente olharam para Jah Biroba. Ele retomara seus exercícios mentais, buscando alternativas para aplacar a fúria de Pau Ladinha.

- Jah Birobinha velho de guerra... chega mais... – convidou Mur.

O senhor da floresta parou com suas divagações e olhou estranhamente para o grupo. Mur continuou, indo na direção do ent.

- Putz, mas que galhos marombados que você tem! Você anda malhando, né? Hahahaha... E esse bronze? Só na prainha, hein? E esse musgo aqui? Que brilho intenso! Preciso disso para meu bigode! Você utiliza algum produto?

- Esterco de cupim atroz selvagem – murmurou Jah, não entendendo direito as pretensões do meio-elfo.

- Esterco de cup... fascinante. Pois é amigão... sabe, nós precisamos chegar do outro lado da ilha, mas estamos com um tantinho assim de pressa... e você é o dono do pedaço e...

- O quê?! – urrou Jah Biroba. – Tenho cara de batedor fuleiro ou coisa assim?! EU SOU O SENHOR DA FLORESTA! NUNCA IREI ME REBAIXAR A PONTO DE FICAR CONDUZINDO UM BANDO DE FORASTEIROS COMO VOCÊS!

- Sem dúvida... mas sabe, uma mão lava à outra... poderíamos ajudar você com seus problemas e você faz o mesmo com a gente.

- INSOLEN... hmmmm... peraí... você tem alguns cigarros aí? Só para poder dizer que eu fui comprá-los e tal... preciso falar algo para minha patroa.

- Peraí... e se colocássemos uns dentes postiços na história? Ficaria melhor e...

Então, começou uma discussão acalorada entre o ent e os três caçadores de recompensas. Sinsalabim estava fraco, mas consciente, e acompanhava apalermado as mais esdrúxulas desculpas que eram proferidas. Até que ele ouviu vozes no mato. Provavelmente ele teria avisado os outros, mas não teve medo porque ele reconheceu quem era.

Uma coisa rara então aconteceu: Sinsalabim teve uma ideia (possivelmente boa). Levantou-se e foi em direção aos sons. Ninguém notou sua saída, pois estavam muito empolgados procurando respostas para o drama de Jah Biroba.

Até que, em questão de minutos, Sinsalabim retornou. Chamou a atenção de todos.

- Olha quem eu achei! A solução de Jah Biroba!

Logo atrás de Sinsalabim se encontrava a bandinha de cordas e sopro contratada por Utérror, que havia se perdido no meio da floresta.

- E o que você espera que façamos com esses sujeitos? – redarguiu Difarola.

- Uma serenata! – Disse triunfalmente nosso herói.

A proposta pegou todos de surpresa. Na realidade, era melhor que todos os planos que haviam bolado até então. Jah Biroba enfim cortou o silêncio.

- Hmmm... vocês sabem alguma canção sobre comprar cigarros e...

- Senhor, nós somos músicos extremamente capazes. – Disse um dos integrantes da trupe. – Vou até mais longe, e digo que somos os maiores artistas dessa ilha desabitada! Por isso....

O menestrel foi interrompido por Mur Ronusrim.

- Isso pode funcionar! Vamos parar de enrolar e ir logo à morada de Pau Ladinha!

- Não! – cortou Jah Biroba. – Vocês quatro ficarão aqui. De repente precisarei cantar e sou meio tímido... nem a pau terei uma plateia maior do que o necessário. Só irá a bandinha e eu. Retornaremos ao amanhecer.

E assim aconteceu. O grupo não conseguiu dormir direito, tamanha a apreensão. Chegou o amanhecer, e Jah Biroba podia chegar a qualquer momento.

Qual será o resultado da serenata? Terá Jah Biroba se transformado em um bardo latino? O ent ajudará o grupo de aventureiros? E o que fará Bri’o’Cu, que apesar de amarrado, está livre do seu exílio?

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